(…)
“Alegria sem causa, alegria animal
que nenhum mal
pode vencer.
Doido prazer
de respirar!
Volúpia de encontrar
a terra honesta sob os pés descalços.
Prazer de abandonar os gestos falsos,
prazer de regressar,
de respirar
honestamente e sem caprichos,
como as ervas e os bichos.
Alegria voluptuosa de trincar
frutos e de cheirar rosas.
Alegria brutal e primitiva
de estar viva,
feliz ou infeliz
mas bem presa à raiz.
Volúpia de sentir na minha mão,
a côdea do meu pão.
Volúpia de sentir-me ágil e forte
e de saber enfim que só a morte
é triste e sem remédio.
Prazer de renegar e de destruir o tédio,
Esse estranho cilício,
e de entregar-me à vida como a um vício.
Alegria!
Alegria!
Volúpia de sentir-me em cada dia
mais cansada, mais triste, mais dorida
mas cada vez mais agarrada à Vida!”
Fernanda de Castro, in "D'Aquém e D'Além Alma"